O monopólio
da fé como instrumento de controle.
Há tempos o homem procura compreender a sua
presença no planeta, muito tempo antes dele atingir o seu conhecimento sobre o
universo, e respostas foram produzidas em formas de mitos, crenças, lendas,
filosofia, artística, ciência entre outras formas. O que somos? De onde viemos?
E para onde vamos? Somos criaturas ou deuses? São perguntas que sempre estiveram
presentes em nosso imaginário humano e funcionando muitas vezes como algo
perturbador e ao mesmo conflituoso, não somente pelas diferentes interpretações
e respostas diferenciadas, mas que ganharam um dinamismo político quando tais
defesas ou ideias se encontraram ou vieram de encontro com os interesses locais
ou globais dos grupos hegemônicos que controlam o poder.
No intimo de sua consciência ser humano
reconhece que a sua vida possui limitações naturais, para alguns a vida é curta
e passageira, cheia de imprevistos e transformações inusitadas, esperadas ou
programadas, que podem nos levar a alegria ou a infelicidade, numa vida marcada
pela socialização que se inicia desde o seu nascimento até a sua morte, ALGO
MUITO PERTURBADOR. Como fugir disso? Se a morte é algo misterioso e certeira
quanto ao sol que paira todas as manhãs do verão.
Em suas atividades cerebrais a humanidade
buscou compreender o sentido da morte, evitá-la.Reinventar a vida tem sido ao
longo dos tempos a grande fuga dos seres humanos contribuindo para escrever
diversos mitos criadores de criaturas,
céu e inferno, reencarnação, moradas celestiais e a existência de inúmeros
deuses presentes em diversas histórias
desde o mundo primitivo ao mundo tecnológico atual.
É importante aqui citar a grande contribuição
analítica e pesquisa apresentadas no livro “O sagrado e o profano” no qual me
interessei pelas obras e pelas reflexões de Mircea Eliade. Me interessei bastante em suas pesquisass individuais a
respeito da herança sacra que recebemos do homo religiosus, descobrindo então
que no conteúdo desse livro maravilhoso, e muito usado nas universidades desse
país, contribuições para compreender as práticas e culturas das sociedades
primitivas e, por contraste, as nossas próprias. A historicidade – do contexto
antigo ao atual, com todas as transformações nas práticas religiosas – é o que
instigou Eliade a escrever Mito e realidade.
A proposta do livro
está muito além de compreender o mito
somente em sua época de ouro, na Antiguidade; está focado também na análise da
historicidade da evolução e as transformações do mito, mesmo que seja sua
degradação. A obra de Eliade acompanha o desenvolvimento histórico das
sociedades onde o mito floresceu, investigando a maneira como ele foi sendo
reelaborado e reinterpretado por diferentes pensadores em diferentes contextos
sócio-culturais.
A visão do autor com a
história das religiões é intenso, e se alterna com as análises voltadas ao real
funcionamento dos mitos no imaginário de diversos povos primitivos, buscando
compreendê-los a partir de um ponto de vista mais global. A recorrência a
exemplos – muito frequente, aliás – vem como base empírica sobre a qual ele
busca estabelecer apreensões teóricas. Portanto, a alusão aos mitos gregos, às
lendas hindus, aos mitos de origem latino-americanos, às canções rituais
havaianas etc., são componentes de uma tentativa – muito sólida, diga-se de
passagem – de construir uma leitura geral dos mitos, ainda que respeitando o
seu contexto histórico e imaginário humano.
A análise realizada alterou o formato natural
de encarar os mitos não mais reduzindo os mitos como fábulas ou ficções pura e simplesmente, mas
sim da forma como as sociedades primitivas os enxergavam. Essa é a principal
característica do livro, as histórias míticas não eram fábulas morais, mas eram
a própria história do mundo que imaginavam, viviam e acreditavam, sua criação,
perfeitamente humana e contextualizada.Desse fato deriva a importância crucial
dos mitos para toda a dinâmica social dos povos antigos: conhecer os mitos e
seguir seus ensinamentos era participar da realidade, i.e., tomar parte na
existência, estar vivo. Conforme escreveu o próprio autor: “O mito é
considerado uma história sagrada e, portanto, uma ‘história verdadeira’, porque
sempre se refere a realidades. (…) o mito se torna o modelo exemplar de todas
as atividades humanas significativas.” (p. 12)
Em referencia as
inúmeras criações vejamos o que já escreveram os autores Jeremy Black and
Anthony Green em seu livro demônios e simbologia na antiga Mesopotâmia:
“Desde os tempos remotos o ser humano tenta
desvendar este mistério. Os antigos povos sumérios e acadianos já tinham suas
crenças sobre vida após a morte e algum tipo de adoração a antepassados
falecidos. Os mortos eram enviados para um mundo subterrâneo do qual não havia
retorno. Os vivos reverenciavam os mortos, pois acreditavam que assim
garantiriam o bom andamento das coisas no mundo dos vivos. Não existia
concepção de julgamento pós-morte entre os mesopotâmicos. Acreditava-se que o
“espírito” dos mortos atravessava um rio até o “sombrio” mundo dos mortos, onde
permaneceria pela eternidade”
(Jeremy Black and Anthony Green. Gods, Demons, and Symbols of Ancient
Mesopotamia, Fifth University of Texas Press Printing, 2003
Muitas
interpretações saíram do controle humano, em decorrência de inúmeros projetos
de poder, em surgindo inúmeras doutrinas religiosas que foram se consolidando
ao longo do tempo, que tiveram como efeito principal a extensão das
intolerâncias ao diferente, provendo a distância da alteridade, e sobretudo,
como dano a paralisação, gerando profundos atrasos, da busca interna pelo seu
próprio conhecimento, O GRANDE CONHECIMENTO, escrevendo assim na historicidade
dessa busca intrínseca por respostas, as consequências danosas em função da
substituição da busca interna pela
criação de mecanismos de controle externos em formas de doutrinas sempre bem
fundamentadas trazendo assim para a humanidade um conjunto sistemático, muitas
vezes religiosos,que serviram como referenciais do poder político e cultural
exercidos por vários grupos hegemônicos em diferentes períodos históricos do
que para a satisfação humana.
O mesmo pensamento e interpretações de
realidades a luz da sua época fizeram também os maias, incas e astecas na
América Antiga:
“ Os
maias, astecas e incas chegavam a fazer sacrifícios humanos, arrancando o
coração da vítima ainda por pulsar e bebendo seu sangue diante do Deus Sol,
numa tentativa de prolongar sua vida e acalmar sua divindade. Nas festividades
da colheita os astecas davam as vítimas de sacrifícios taças de chocolate para
que as almas chegassem mais rápido ao céu de uma forma que agradasse as
divindades, pois o chocolate era considerado o alimento dos Deuses. As vítimas
sacrificiais deveriam ser perfeitas e havia grande honra em conhecerem e serem
escolhidas pelo imperador, tornando-se, depois da morte, espíritos com caráter
divino que passariam a oficiar junto aos sacerdotes”
(Guy
Annequim, Religião e Ciência entre os Maias, A Civilização dos Maias. Rio de
Janeiro, Otto Pierre Editores, 1977).”
No Egito guardada as suas respectivas condições
históricas e particularidades desenvolveram o mesmo comportamento cultural
acerca de suas interpretações:
“No antigo Egito o processo de mumificação
era uma tentativa de vencer a morte. Quando o corpo morria sua alma ia para o
Reino dos Mortos. Enquanto a alma residia nos Campos de Aaru, o Deus Osíris
exigia pagamento pela proteção que ele propiciava. Acreditava-se que colocando
bastante riqueza junto ao morto, ele teria mais facilidade em sua outra vida.
Obter a recompensa no outro mundo era uma verdadeira provação, exigindo um
coração livre de pecados e a capacidade de recitar encantamentos, senhas e
fórmulas do Livro dos Mortos. No Salão das Duas Verdades, o coração do falecido
era pesado contra uma pena da verdade e justiça, retirada de um ornamento na
cabeça da deusa Maet. Se o coração fosse mais leve que a pena, a alma poderia
continuar, mas, se fosse mais pesada, era devorada pelo demônio Ammit ”
(Rosalie David, Religião e
Magia no Antigo Egito. Difel, 2011. ISBN 9788574321165).